
A acne é uma dermatose de alta prevalência, sendo a oitava doença mais frequente entre todas1. Apresenta curso crônico, acomete adolescentes e adultos, e nestes últimos atinge mais as mulheres. Clinicamente apresente diversos tipos de lesões, não inflamatórias e inflamatórias; porém, do ponto de vista subclínico, a inflamação está presente desde o início da fisiopatologia sendo responsável também pela formação de diferentes tipos de cicatrizes. Por se tratar de uma doença que acomete a face e persiste por muitos anos apresenta importante impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes2.
A inflamação é desencadeada por diversos fatores incluindo mudanças quantitativas e qualitativas do sebo, induzidas pelos andrógenos e pela presença do Cutibacterium acnes (anteriormente denominado Propionibacterium acnes). Esta bactéria gram-positiva e anaeróbia, que faz parte da microbiota de regiões oleosas da pele, em condições patológicas, ativa receptores de reconhecimento antigênico de diferentes vias como os receptores Toll (2 e 4) e o inflamassoma, amplificando o processo inflamatório através da liberação de múltiplas citocinas. Uma das mais importantes é a interleucina 1-alfa, ela está relacionada a hiperqueratose folicular, fator este, fundamental na progressão da doença3-5.
Existem diferentes novas estratégias buscando atuar sobre o processo inflamatório presente na acne, entre elas o uso dos probióticos. Estes, estão sendo cada vez mais estudados, uma vez que os efeitos do microbioma intestinal sobre o organismo humano passaram a ser elucidados6.
Este microbioma é composto por bilhões de bactérias, fungos e vírus, sendo as bactérias comensais as que apresentam a relação de maior importância com a homeostase do funcionamento de importantes funções do ser humano como a síntese de determinadas vitaminas, o desenvolvimento e a ativação do sistema imunológico e a inibição, por competição, da colonização de certos patógenos7.
Diversas situações alteram o microbioma intestinal (disbiose), com por exemplo os estados de hipocloridria. Nesta condição, bastante estudada, o excesso de crescimento bacteriano leva a competição por nutrientes, produção de metabólicos tóxicos e causa lesões diretas na mucosa do intestino delgado, o que modifica a permeabilidade do epitélio local8. Esta disbiose já foi encontrada em situações de estresse crônico associado a ansiedade e depressão e é 10 vezes mais frequente em determinadas doenças dermatológicas como a rosácea, a qual por sua vez cursa com uma intricada relação com distúrbios psicológicos9.
Estudando pacientes com acne, foi encontrada uma intensa reatividade plasmática (65%) à uma endotoxina lipossacáride derivada da Escherichia coli (E. coli), enquanto nenhum dos controles estudados apresentou esta reação. A interpretação destes resultados indicaria que a presença da disbiose intestinal relacionada ao aumento da E. coli e a presença circulante de sua toxina não são um evento incomum em pacientes acneicos10.
Há alguns estudos associando aumento da prevalência de constipação intestinal em pacientes acneicos, chegando a ser uma queixa em cerca de 40% dos casos11. Khalif et al., em 2005, estudando pacientes com obstipação, constaram que a concentração fecal de Lactobacillus e Bifidobacterium foram significativamente menores enquanto a permeabilidade intestinal foi maior quando comparado com adultos com função intestinal normal. Nesta situação existe um aumento da resposta imunológica devido a passagem de moléculas maiores pela barreira intestinal12.
Além da alteração da exposição de antígenos, provocada pela modificação da permeabilidade da mucosa, também existe uma maior liberação de citocinas inflamatórias e neuromoduladores, como por exemplo da substância P. Essa molécula atua não somente sobre o próprio órgão, mas também a distância, aumentando mediadores pró-inflamatórios implicados na patogênese da acne (IL-1, IL-6, TNF-a, PPAR-g)13.
Sabe-se que o aumento de IGF-1 piora os quadros acneicos, assim, um mecanismo adicional pelo qual a disbiose intestinal pode influenciar a acne esta relacionado ao controle glicêmico. Pesquisas emergentes mostram que a microbiota intestinal contribui para a tolerância à glicose14 e que, determinados lactobacilos, administrados por via oral podem melhorar os níveis de insulina em jejum, reduzindo a liberação de IGF-1, mesmo na presença de uma dieta rica em gordura15.
A partir da ligação de diferentes vias pelas quais as alterações no microbioma intestinal podem levar a piora da acne; pesquisadores, desde a década de 60, vêm propondo estratégias de tratamento isoladas ou associadas às terapêuticas convencionais com o uso de probióticos.
Os probióticos são micro-organismos vivos utilizados em suplementos alimentares ou isolados em cápsulas que trazem benefícios a saúde. Estudos recentes comprovam sua ação em reduzir marcadores plasmáticos de inflamação e de estresse oxidativo16-18.
Assim diversas possibilidades de redução do processo inflamatório estariam associadas ao uso dos probióticos. No caso da produção do sebo, a alteração qualitativa, ligada a peroxidação lipídica poderia ser controlado pelo efeito antioxidante sistêmico do uso destes suplementos19-20. Outra via de regulação estaria ligada a modulação de citocinas importantes no desenvolvimento da doença como a interleucina 1-alfa, fundamental para hiperqueratose folicular e consequente obstrução do óstio glandular21-22.
A primeira série de casos utilizando os probióticos no tratamento da acne, foi publicada em 1961, neste estudo o autor tratou e seguiu 300 pacientes e descreveu, ao final de 30 dias, melhora em 80% dos casos com resultado superior nos quadros mais inflamatórios23.
Estudo Italiano, utilizando probióticos, adicionado a metade de um grupo de pacientes (40) utilizando tratamento convencional para acne, concluiu que o grupo que tomou o suplemente apresentou melhores resultados ao final do período de acompanhamento, além de melhor tolerância ao uso das medicações24.
Em trabalho mais recente, envolvendo 56 pacientes, pesquisadores comprovaram que uma bebida contendo probióticos, utilizada por 12 semanas, melhorou aspectos clínicos em pacientes acneicos, como a contagem de lesões25.
Assim, baseado no fato da acne ser uma doença inflamatória crônica multifatorial e que o uso de probióticos pode interferir positivamente em diversas vias correlacionadas ao gatilho ou manutenção da inflamação nesta doença, como a modulação da interleucina 1-alfa, o aumento de IGF-1, a maior liberação da substância P entre outros neuromoduladores e seu potencial no controle do estresse oxidativo, podemos concluir que existe grande potencial no uso destes micro-organismos no arsenal de controle desta doença.
1.Vos T. et al. Years lived with disability (YLDs) for 1160 sequelae of 289 diseases and injuries 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease study 2010. Lancet 380, 2163–2196 (2012).
2.Rocha MA. et Bagatin E. Adult-onset acne: prevalence, impact, and management challenge. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2018; 11: 59–69.
3.Moradi Tuchayi S, Makrantonaki E, Ganceviciene R, et al Acne Vulgaris Nat Rev Dis Primers. 2015 Sep 17;1:15029.
4.Dréno B, Pécastaings S, Corvec S, et al Cutibacterium acnes (Propionibacterium acnes) and acne vulgaris: a brief look at the latest updates. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2018 Jun;32 Suppl 2:5-14.
5.Rocha MA, Bagatin E Acne vulgaris: an inflammatory disease even before the onset of clinical lesions. Inflammation & Allergy - Drug Targets, 2014, 13, 162-167.
6. Bowe WP and Logan CA Acne vulgaris, probiotics and the gut-brain-skin
axis - back to the future? Gut Pathogens 2011, 3:1.
7. Dicks LMT, Geldenhuys J et al Our gut microbiota: a long walk to homeostasis. Benef Microbes 2018, 29;9(1):3-20.
8. Lombardo L, Foti M, Ruggia O, Chiecchio A: Increased incidence of small
intestinal bacterial overgrowth during proton pump inhibitor therapy.
Clin Gastroenterol Hepatol 2010, 8:504-8.
9. Parodi A, Paolino S, Greco A, Drago F, Mansi C, Rebora A, et al: Small
intestinal bacterial overgrowth in rosacea: clinical effectiveness of its
eradication. Clin Gastroenterol Hepatol 2008, 6:759-64.
10. Juhlin L, Michaëlsson G: Fibrin microclot formation in patients with acne.
Acta Derm Venereol 1983, 63:538-40.
11. Ketron LW, King JH: Gastrointestinal findings in acne vulgaris. JAMA 1916,
60:671-75.
12. Khalif IL, Quigley EM, Konovitch EA, Maximova ID: Alterations in the
colonic flora and intestinal permeability and evidence of immune
activation in chronic constipation. Dig Liver Dis 2005, 7:838-49.
13. Rokowska-Waluch A, Pawlaczyk M, Cybulski M, Zurawski J, Kaczmarek, M.,Michalak, M., et al. (2016). Stressful events and serum concentration of
substance P in acne patients. Ann. Dermatol. 28, 464–469.
14. Kleerebezem M, Vaughan EE: Probiotic and gut lactobacilli and
bifidobacteria: molecular approaches to study diversity and activity.
Annu Rev Microbiol 2009, 63:269-90.
15. Burcelin R: Intestinal microflora, inflammation, and metabolic diseases.
Abstract 019, Keystone Symposia - Diabetes Whistler, British Columbia,
Canada; 2010.
16. Naruszewicz M, Johansson ML, Zapolska-Downar D, Bukowska H: Effect of
Lactobacillus plantarum 299v on cardiovascular disease risk factors in
smokers. Am J Clin Nutr 2002, 76:1249-55.
17. Schiffrin EJ, Thomas DR, Kumar VB, Brown C, Hager C, Van’t Hof MA, et al:
Systemic inflammatory markers in older persons: the effect of oral
nutritional supplementation with prebiotics. J Nutr Health Aging 2007,
11:475-9.
18. Mikelsaar M, Zilmer M: Lactobacillus fermentum ME-3 - an antimicrobial
and antioxidative probiotic. Microb Ecol Health Dis 2009, 21:1-27.
19. Bowe WP, Logan AC: Clinical implications of lipid peroxidation in acne:
old wine in new bottles. Lipids Health Dis 2010, 9:141.
20. Fu YR, Yi ZJ, Pei JL, Guan S: Effects of Bifidobacterium bifidum on adaptive
immune senescence in aging mice. Microbiol Immunol 2010, 54:578-83.
21. Hacini-Rachinel F, Gheit H, Le Luduec JB, Dif F, Nancey S, Kaiserlian D: Oral
probiotic control skin inflammation by acting on both effector and
regulatory T cells. PLoS One 2009, 4:e4903.
22. Cazzola M, Tompkins TA, Matera MG: Immunomodulatory impact of a
synbiotic in T(h)1 and T(h)2 models of infection. Ther Adv Respir Dis 2010,
4:259-70.
23. Siver RH: Lactobacillus for the control of acne. J Med Soc New Jersey 1961,
59:52-53.
24. Marchetti F, Capizzi R, Tulli A: Efficacy of regulators of the intestinal
bacterial flora in the therapy of acne vulgaris. Clin Ter 1987, 122:339-43,
Italian.
25. Kim J, Ko Y, Park YK, Kim NI, Ha WK, Cho Y: Dietary effect of lactoferrinenriched fermented milk on skin surface lipid and clinical improvement of acne vulgaris. Nutrition 2010, 26:902-9.